Rico em recursos hídricos, com um solo extremamente fértil e uma posição geográfica privilegiada, a freguesia de Campanhã ofereceu desde sempre condições muito favoráveis à fixação de populações. Não admira, por isso, que a presença humana nesta área esteja documentada desde os períodos mais recuados da pré-história. Certos traços da toponímia demonstram que a zona de Campanhã terá sido habitada ainda durante o período dos grandes monumentos megalíticos (III e II milénios a.C.). Mas alguns vestígios encontrados junto ao Esteiro de Campanhã e atribuídos ao Paleolítico, indicam que a ocupação do freguesia poderá ser anterior.
Na Idade do Ferro terá existido um castro na zona de Noeda - o castro de Noeda - próximo da confluência dos rios Tinto e Torto. A presença romana, por sua vez, fez-se sentir de forma intensa em toda a área circundante ao freguesia, sendo, por isso, quase certo que aqui também venham a surgir testemunhos materiais dessa presença. Em todo o caso, a influência romana é um dado evidente e traduz-se, desde logo, no próprio topónimo "Campanhã", de origem latina.
A referência mais antiga que se conhece relacionada com Campanhã surge num documento datado de 994, onde se lê, pela primeira vez, a expressão "ribulum campaniana", rio de Campanhã (o actual rio Torto). Mas no século XI, Campanhã já ocorre na documentação coeva como sendo a sede de uma "villa" relativamente importante, a "villa campaniana", uma propriedade rural de tradição romana, cujas origens se perdem no século IV. Esta "villa campaniana", domínio de uma velha família nobre, incluía grande parte das actuais freguesias de Campanhã, Rio Tinto e Valbom, e acolhia ainda o "Mosteiro de Santa Maria de Campanhã", a mais antiga instituição religiosa local.
O ano de 1120 marca, entretanto, o início de um novo ciclo histórico que se revelou decisivo, não apenas para o freguesia de Campanhã, mas para todo o burgo portuense. Nesse ano, D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, doa o território do Porto ao bispo D. Hugo, passando o burgo a ser administrado directamente pela Sé Portucalense. Ora, uma parte importante do freguesia incluída na doação, formando a partir daí o limite oriental do couto, mais tarde denominado "termo velho" da cidade, pelo que gozava de todos os privilégios e honras concedidos aos habitantes do burgo. Campanhã surge assim dividida, grosso modo, em duas partes distintas: a área ocidental, mais próxima do centro do burgo e situada dentro dos limites do couto, e a parte oriental, pertencente ao "senhor rei" e formando, por isso, um reguengo. Esta divisão institucional definida em 1120 e confirmada pelas inquirições de D. Afonso III, em 1258, não conhecerá alterações significativas até ao século XIX.. A Igreja de Campanhã assegurava a ligação, não apenas simbólica, mas também social e cultural entre as duas partes.
Com o seu estatuto administrativo perfeitamente definido, Campanhã assiste nos séculos finais da Idade Média a uma expansão muito significativa da sua área cultivada, acompanhada de um crescimento bastante expressivo da população. Beneficiando das suas imensas riquezas naturais, o freguesia converte-se lentamente numa importante reserva agrícola do burgo, cuja principal função é abastecer a cidade de géneros alimentares básicos. Esta especialização económica desenvolve-se e aprofunda-se ao longo da Idade Moderna, prosseguindo praticamente inalterada até ao limiar do nosso século. O tráfico de bens agrícolas com as zonas mais urbanizadas da cidade intensifica-se a partir dos séculos XV e XVI, multiplicando os rendimentos dos proprietários das terras e dando origem a numerosos conflitos jurídicos entre si, a propósito dos limites e direitos associados a cada domínio.
Em todo o caso, e ainda que a agricultura representasse a actividade mais importante, a população de Campanhã, que tinha crescido de 1381 habitantes em 1687 para 2169 em meados do século XVIII, não era composta apenas por camponeses. Nas Memórias Paroquiais de 1758 destacam-se ainda mais dois grupos profissionais: os pescadores, concentrados sobretudo junto das margens do Douro e gozando de isenções fiscais desde 1593, e os moleiros, que no seu conjunto detinham 76 rodas de moinhos, distribuídas ao longo dos numerosos cursos de água que percorriam o freguesia.
Durante o século XVIII esta marca agrícola do freguesia assume novas expressões. Surgem as quintas e os solares de "ir a ares", isto é, de veraneio das grandes famílias burguesas e nobres da cidade do Porto. As quintas do Freixo, de Bonjoia, da Revolta, de Furamontes e de Vila Meã são alguns casos bem representativos do luxo e do requinte arquitectónico que caracterizavam estes solares. A sua presença imprimiu um carácter muito próprio à paisagem e identidade da freguesia especialmente ao vale de Campanhã.
Com o século XIX chega o tempo das destruições provocadas pela guerra. Primeiro com as invasões napoleónicas, logo no dealbar da centúria, que deixaram um rasto de devastação bem patente no saque da Igreja de Campanhã, perpetrado em 1809. E, depois, com a guerra civil (1832-34) e o célebre cerco à cidade do Porto, que durou de Julho de 1832 a Agosto do ano seguinte. Durante o período que durou o cerco, o freguesia foi palco de numerosos confrontos entre liberais e absolutistas. O balanço trágico das perdas incluiu, segundo relatos da época, árvores derrubadas, vinhas destruídas, campos incendiados, casas e muros demolidos e danos irreparáveis em equipamentos industriais.
Mas o século XIX, apesar das dificuldades das primeiras décadas, representa também um período de crescimento e prosperidade. O freguesia conhece então um aumento muito significativo da população e uma rápida ampliação da sua estrutura industrial. Assim, a par das indústrias tradicionais, como a moagem e a tecelagem, que registam um forte desenvolvimento, surgem novos investimentos e diversificam-se, cada vez mais, os ramos de actividade. Um pouco por todo o freguesia aparecem fábricas e oficinas que se dedicam à marcenaria, à produção de cal, ao fabrico de fósforos de cera, palitos, trabalhos em filigrana, à destilaria, à saboaria e ainda aos curtumes.
Este desenvolvimento industrial deve-se, em grande parte, à expansão dos meios de transporte, em especial do caminho de ferro. Em 1875 já era possível viajar de comboio desde Campanhã (Estação Sucursal de S. Roque da Lameira) até Braga, através da Linha do Minho, ou até Penafiel, através da Linha do Douro. Em 1877 são inauguradas a Ponte Maria Pia e a Estação de Campanhã, construída na zona da Quinta do Pinheiro. O alargamento da oferta de meios de transporte e a construção da estação promoveram a deslocação de grandes quantidades de mão-de-obra do interior do país para o Porto e, sobretudo, para Campanhã e para o seu vale. A grande disponibilidade de mão-de-obra favoreceu, por sua vez, a implantação de novas fábricas, sobretudo nas proximidades da estação, num movimento contínuo ao longo de todo o século XIX e das primeiras décadas do século XX. Por outro lado, a crescente afluência de pessoas a Campanhã conduziu a um redesenhar das estruturas do alojamento. Face ao seu reduzido poder de compra, os operários concentram-se em "ilhas" e "pátios", dois tipos de construções que se transformaram numa das marcas mais importantes da paisagem física e social da freguesia.
Este quadro poucas mudanças sofreu até às décadas de 50 e 60 deste século. Por essa época intensifica-se a tendência de expansão da cidade para oriente. A freguesia converte-se numa das zonas preferenciais para a construção de bairros de iniciativa camarária. A sua população regista então um acréscimo extraordinário. Ao mesmo tempo assiste-se à diminuição do papel da indústria como principal actividade económica, substituída progressivamente pelas áreas ligadas aos serviços.
Hoje, Campanhã continua repartida entre o seu passado de tradição rural, que ainda permanece vivo na paisagem e em muitos aspectos do quotidiano, e os traços cada vez mais visíveis da modernidade.
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